terça-feira, 27 de outubro de 2015

Uma metodologia da educação pré escolar

PORTADORA DE PROPOSTA PEDAGÓGICA OU APENAS ASSISTENCIALISTA: ESTUDO COMPARATIVO DE DUAS CRECHES DE CAMPINAS
Adriana Nascimento da Silva - Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Orly Zucatto Mantovani de Assis

Muitas propostas de atendimento em creche são baseadas em concepção filantrópica, assistencial e não pedagógica. Tendo em vista este fato, o objetivo da pesquisa realizada foi o de comparar o atendimento oferecido às crianças por duas creches de Campinas, com o intuito de saber se tais instituições propiciam realmente o desenvolvimento infantil ou têm apenas uma finalidade assistencial. Os dados coletados por meio de observação direta e entrevistas forneceram informações sobre os objetivos das instituições, a prática pedagógica que utilizam e também acerca da formação dos profissionais que nelas atuam. Os resultados obtidos demonstram existir uma distinção na proposta pedagógica de ambas as creches. Sendo que as educadoras da instituição B possuem formação específica para trabalhar em creche, concluiu-se que a qualidade do atendimento de ambas instituições está diretamente relacionada à formação dos profissionais.
1. FORMULAÇÃO TEÓRICA
Considerada e reconhecida pelos órgãos responsáveis pela definição de políticas públicas do Brasil como a primeira etapa da educação básica, indispensável à construção da cidadania, a Educação Infantil de zero a seis anos constitui prioridade do Estado brasileiro e responsabilidade do poder público municipal.
A instituição educativa em suas diferentes modalidades cumpre um papel central na sociedade. Papel, este, de mediadora no processo de inserção da criança e do adolescente na cultura. Para isso, é necessário que ela se estruture e se instrumentalize de forma a responder às exigências propostas por esse objetivo, tão amplo e complexo. (Referencial Curricular Nacional para a Educ. Infantil, 1998)
Entende-se que a creche deve ser oferecida à população como uma alternativa e não como uma substituta da família. Resguarda-se o direito da mulher e da família optarem ou não por ela, porém ao mesmo tempo reforça-se a concepção de que a responsabilidade pela educação da criança pequena não é só da família, mas também da sociedade. Neste sentido, deve o Estado interferir neste processo de educação e guarda da criança de zero a seis anos. A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, Lei n° 9394, promulgada em dezembro de 1996, estabelece de forma incisiva o vínculo entre o atendimento às crianças de zero a seis anos e a educação.
Educar significa propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros numa atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis ( Referencial Curricular Nacional para a Educ. Infantil, 1998:23)
O documento ainda afirma que uma criança saudável não é apenas aquela que tem o corpo nutrido e limpo, mas aquela que pode utilizar e desenvolver os aspectos biológico, emocional e cognitivo, próprios da espécie humana, em um dado momento histórico e em uma dada cultura. É importante, portanto, a promoção do crescimento e do desenvolvimento de todas as atitudes e procedimentos que atendem às necessidades de afeto, alimentação, segurança e integridade corporal e psíquica durante o período do dia em que as crianças permanecem na instituição.
De acordo com Assis (2003), todas as crianças têm necessidades semelhantes, quaisquer que sejam as suas origens. Essas necessidades podem ser descritas como: necessidade de sentir-se aceita, de ter confiança, de ter segurança e competência; necessidade de reconhecer, raciocinar e de resolver problemas; necessidade de ser criativa; necessidade para desenvolver a coordenação motora e necessidade de compartilhar experiências com outras crianças e adultos.
A atuação da instituição de educação infantil se daria através da alimentação, do cuidado físico e dos contatos que estabelecem com outros adultos e com outras crianças na creche, contatos estes que favorecem seu desenvolvimento lingüístico, cognitivo e sócio-emocional. De acordo com as características do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) e considerando-se as especificidades afetivas, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis anos, a qualidade das experiências oferecidas que podem contribuir para o exercício da cidadania devem estar embasadas nos seguintes princípios: o respeito à dignidade e aos direitos das crianças; o direito das crianças de brincar; o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis; a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais e o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade.
No entanto, muitas propostas para as creches têm sido elaboradas a partir da concepção filantrópica e assistencial que elas adotam para o seu atendimento, a qual valoriza apenas a área nutricional e de higiene em enfoque médico-assistencial. Deste modo, tem-se enfatizado as atitudes de obediência, colaboração e auto-suficiência quanto a atividades de cuidados básicos. Enquanto que as questões pedagógicas ficam, muitas vezes, ao sabor da improvisação. Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da educação infantil e rever concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do Estado diante das crianças pequenas. Há a necessidade das creches se transformarem em instituições realmente promotoras de desenvolvimento infantil. Uma vez que, está lidando com crianças numa faixa etária precoce e considerada como “período-crítico” de desenvolvimento. Isso é comprovado pela descoberta de sociólogos, psicólogos e médicos de que o psiquismo e a inteligência da criança durante os primeiros seis anos de sua vida permanecem em um baixo nível e/ou se atrofiam, se a criança não for oferecida a possibilidade de ter experiências sociais diversificadas e enriquecedoras. (Assis, 1998)
Os psicólogos da linha cognitiva acreditam que a inteligência de uma pessoa adulta depende muitíssimo do que lhes foi oferecido nos primeiros seis anos de vida, pois é nesse período que o meio exerce sua influência mais poderosa. O desenvolvimento intelectual poderá ser rápido ou lento, dependendo do ambiente em que vive a criança. Nesse sentido, crianças que não recebem estímulos para o desenvolvimento intelectual jamais chegarão a ser o que poderiam ser, se estimuladas adequadamente. ( Assis, 2002: 35).
Portanto, as creches devem ter como um dos objetivos principais proporcionar a estimulação cognitiva em ambiente de aprendizagem agradável e lúdico, procurando favorecer o desenvolvimento da atenção, da concentração, da aprendizagem de habilidades específicas com monitoria do adulto em grupos de crianças reunidas. Para isso, faz-se necessário um atendimento adequado às características de cada criança. Este atendimento se faz através da criação de condições favoráveis como: organização do espaço físico, planejamento de ambientes e de atividades, e a busca de resolução das dificuldades de adaptação das crianças ao grupo. Tais atividades favorecem o desenvolvimento afetivo, a expansão da criatividade, o acompanhamento da evolução gradativa da maturação de cada criança. É importante destacar a interação adulto-criança como elemento básico para o desenvolvimento infantil, especialmente para as crianças menores de quatro anos. (Arribas, 2004)
Alguns estudos destacaram que a precária interação entre adultos e crianças pequenas pode prejudicar o desenvolvimento psicológico das mesmas (Ainsworth Et Alii & Bronfenbrenner apud Kontos, S. & Herzog, A.W, 2003) enquanto que outros apontaram a importância das interações entre crianças. Dentre estes, Camaioni (apud Kontos, S. & Herzog, A.W, 2003) destaca que tais interações ajudam-nas a superar o egocentrismo e a tornarem o próprio comportamento contingente ao seu parceiro. Para Nadel & Baudonnière (apud Kontos, S. & Herzog, A.W, 2003), as trocas sociais entre as crianças pequenas aumentam consideravelmente quando se realizam imitações entre elas. Tais imitações constituiriam a forma preponderante de comunicação entre os dois e três anos e podem ser favorecidas com a introdução de vários exemplares idênticos de objetos para as crianças utilizarem. Mesmo exemplares únicos de objetos constituem elementos facilitadores nesta faixa etária, utilizados pelas crianças nas brincadeiras e nos brinquedos associativos que devem ocorrer nas creches.
Brincar, segundo Oliveira (1992) é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio dos gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela mesma desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Desenvolvem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais. Por isso, é preciso começar a brincar com elas o mais cedo possível, mas também é preciso que nas creches haja espaço e material adequados para as crianças se utilizarem deles e acima de tudo, pajens ou professoras criativas, competentes e interessadas no desenvolvimento das crianças.
Portanto, é importante que o momento de atividade livre não seja vista apenas como forma de ocupar e distrair a criança, mas como um ato que envolve trabalho, provoca concentração e cria estimulação intelectual à criança.
É válido também ressaltar que o aprendizado pela exploração e interação com as pessoas do meio fornece a base para sistematizações da experiência pela criança através da linguagem. Assim, a ação e a interação da criança com seu meio são essenciais para a aprendizagem. Porém para que a educação seja realmente estimulante e promotora do desenvolvimento, o profissional deve conhecer previamente qual é esse processo de desenvolvimento, suas leis e princípios gerais referentes aos aspectos como afetivo, cognitivo, lingüístico e social. No entanto, a eficácia desse tipo de programa depende da qualificação dos funcionários da creche.
Em relação a qualificação dos educadores - embora não existam informações abrangentes sobre os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas creches e pré-escolas do país – a realidade tem nos mostrado que muitos destes profissionais ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias. Se na pré-escola, constata-se, ainda hoje, uma pequena parcela de profissionais considerados leigos, nas creches ainda é significativo o número de profissionais sem formação escolar mínima cuja dominação é variada: berçarista, auxiliar de desenvolvimento infantil, babá, pajem, monitora, recreacionista, etc. Na faixa etária em que as crianças da creche estão, o adulto tem uma importância muito grande para elas. Por esta razão, a profissionalização do educador(a) é fundamental. Sua capacidade em compreender como uma criança se desenvolve para saber respeitar o ritmo de cada uma, a atitude aberta e receptiva para aprender e observar, para viver com os pequenos uma forte empatia, etc. A prática docente quando fundamentada nos conhecimentos da psicologia, da filosofia e sociologia da educação, pode ser um meio eficaz de propiciar as condições necessárias para que o desenvolvimento da criança se realize em ritmo adequado. É preciso que o meio educacional garanta à criança as possibilidades de um completo desenvolvimento intelectual, afetivo, sócio-moral e físico. (Assis, 1993)
Em suma, o trabalho será direcionado no sentido de responder a seguinte questão: Qual a proposta educativa das creches que serão observadas? Tais propostas contemplam as necessidades das crianças em todos os aspectos de seu desenvolvimento?
2. OBJETIVOS
Os objetivos que esta pesquisa se propôs são:
1 Conhecer as propostas pedagógicas das creches que constituirão a amostra da pesquisa.
2 Analisar as referidas propostas a partir dos princípios pedagógicos extraídos do construtivismo piagetiano.
3 No caso das propostas analisadas não atenderem as necessidades de desenvolvimento das crianças, a partir desse referencial piagetiano, serão apresentadas sugestões de outras propostas às profissionais das instituições observadas.
4 Ter conhecimento da formação das profissionais que atuam nas creches observadas.
3. SUJEITOS
Os sujeitos desta pesquisa foram as crianças e educadoras de duas creches, denominadas A e B. Ambas as instituições são públicas e situam-se na cidade de Campinas.
4. METODOLOGIA
A coleta de dados desta pesquisa ocorreu mediante observações diretas do trabalho desenvolvido pelas educadoras de ambas as creches e entrevista individual às mesmas.
Em relação à entrevista, foi elaborado um Roteiro com questões relacionadas à função atual da educadora, tempo de serviço na creche, formação, questões conceituais sobre educação infantil e questões situacionais. As questões situacionais constituem a parte da entrevista que se refere às situações que as educadoras, geralmente, vivenciam no cotidiano da creche. Questões estas, problematizadoras com a finalidade de conhecer de que modo as educadoras lidam com as mesmas.
Na formulação do questionário, foram incluídas perguntas, exigindo diferentes níveis de elaboração por parte dos sujeitos. Com algumas perguntas, apenas pretendia saber a informação de que o sujeito dispunha em relação a sua formação; outras, implicavam respostas narrativas; e havia aquelas que solicitavam explicações e justificativas para as informações apresentadas pelas educadoras.
As respostas das entrevistadas foram analisadas qualitativa e quantitativamente através de categorias e dados estatísticos.
5. CARACTERIZAÇÃO DAS CRECHES
5.1 Creche A
Funciona há 14 anos e é fruto da reivindicação das mães que trabalham na instituição mantedora. Atende aproximadamente 240 crianças de 2,5 meses até 4 anos, filhos ou dependentes legais das servidoras que atuam em esquema de Turno, Plantão ou Horário Especial.
5.2 Creche B
A Creche B funciona há 24 anos e é administrada por uma diretoria voluntária. É uma entidade filantrópica de caráter beneficente, educativo, cultural e de assistência e promoção social, sem fins lucrativos.
A creche atende até 60 crianças da faixa etária de 4 meses a 4 anos incompletos, que são agrupadas em módulos de acordo com a faixa etária.
6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 Resultados da Entrevista
Os dados obtidos nas entrevistas foram analisados qualitativamente. Por isso as respostas aos questionários foram categorizadas com vistas a estabelecer a comparação entre as creches observadas.
A análise qualitativa das respostas foi realizada a partir dos princípios pedagógicos extraídos do construtivismo piagetiano.
6. 2 Resultados da Observação
DeVries (1998) em sua obra a respeito da ética na educação infantil, define ambiente sócio-moral como “toda rede de relações interpessoais que forma a experiência escolar da criança” (p.17). Esta experiência, por sua vez, inclui o relacionamento da criança com o professor, com outras crianças, com os estudos e com regras.
Tendo em vista essa definição, a análise dos registros das observações realizadas na Creche A e B se centralizará nas características gerais do ambiente sócio-moral de ambas as instituições. Uma vez que, uma atmosfera sócio-moral cultivada apóia e promove o desenvolvimento infantil ( DeVries, 1998).
A fim de ilustrarmos a atmosfera sócio-moral das creches serão explicitadas algumas situações observadas, pela pesquisadora/aluna, nos ambientes onde educadoras e crianças ocupam nas instituições.

Em relação à Creche A, as crianças do Maternal I e II passavam a maior parte do tempo no Parque. Portanto, esse ambiente será focalizado na análise das minhas observações na referida instituição.
É válido dizer, que a Creche A tem dois Parques porque cada Módulo, exceto o Berçário, tem a sua área externa. Ambos os espaços são amplos e cobertos de areia. Há gira-gira, escorregador, casinha, balanço e brinquedos próprios para brincar na areia (pazinha, balde, coador, etc).
As crianças, geralmente, brincavam livremente no Parque pois foram, poucas vezes, que observei as educadoras interagindo na brincadeira ou propondo atividades dirigidas às crianças. Entretanto, é fundamental saber que a interação entre colegas e por si mesma não garante um ambiente sócio-moral que promova o desenvolvimento infantil. O educador pode influenciar a qualidade das interações das crianças de várias maneiras, inclusive oferecendo atividades que gerem a necessidade e o desejo de interagir nas crianças e o apoio ativo à cooperação e negociação entre elas (DeVries, 1998).

Contudo, muitos educadores que trabalham com crianças pequenas reduzem a idéia de ação a uma simples atividade física, presumindo que, se as crianças estiverem em movimento ou conversando, estarão aprendendo. Para Piaget, todavia, a ação não é apenas física, mas mental. Se estivermos satisfeitos em aceitar, sem nenhum questionamento, a idéia de que qualquer movimento físico é educativo, qualquer abordagem que permitir às crianças se mover e se falar poderá ser considerada ‘uma prática educativa com base no desenvolvimento’(DeVries, 2004, p.22).

Piaget (1973, apud DeVries,1998) critica o fato de se dar liberdade completa às crianças quando afirma que a principal influência, há anos atrás, causada principalmente pela psicanálise, era a de cuidadosamente evitar frustar, de qualquer forma, a criança em desenvolvimento. Isso levou a um excesso de liberdade não-supervisionada que resultou em um brincar generalizado sem muito benefício educacional.
Além disso, era comum as educadoras da Creche A relatarem que não realizavam muitas atividades em sala com as crianças sob a justificativa que “elas (crianças) não conseguem ficar um espaço de tempo razoável nas salas” (discurso de um sujeito da Creche A). Em relação a isso, foram, poucas as vezes que presenciei crianças fazendo atividades na sala, exceto na Hora do Banho. Pois, é no momento do banho que, enquanto uma educadora banhava algumas crianças, outra profissional ajudava, na sala, elas a se vestirem. Dessa maneira, as outras crianças ficavam na sala sem nenhuma atividade proposta, direcionada pela educadora, exceto com alguns brinquedos espalhados pelo chão. Assim, o estado de agitação e de brigas entre as crianças eram freqüentes.
A autora Oliveira (2002) afirma, que muitas vezes, o espaço busca impedir a movimentação das crianças e a interação entre elas. Outras vezes, embora não seja a intenção das educadoras, a organização do espaço termina por promover brigas ou outras formas de comportamento considerados indisciplinados.
No entanto, as salas da Creche A não oferecem muitos estímulos visuais e cinéticos às crianças, uma vez, que há cartazes pendurados na parede com fotos das crianças e figuras, porém não estão expostos ao nível dos olhos das crianças. Todavia, é necessário que a estrutura física da instituição infantil insira a criança em um espaço de estímulos, em que as características (formato, cor, textura) dos objetos sejam interpretados como desencadeadores de determinados enredo de ação pelas crianças, de modo que propicie situações de exploração, falas e interações.
Segundo Piaget (1978, apud DeVries, 1998)), a representação do espaço para a criança é uma construção internalizada a partir das ações e das manipulações sobre o ambiente espacial próximo do qual ela faz parte. Assim, o meio constitui um fator preponderante para o desenvolvimento dos indivíduos, fazendo parte constitutiva desse processo.
As crianças ao interagirem com o meio e com os outros parceiros, aprendem pela própria interação e imitação. Constata-se, portanto, que a forma como organizamos o espaço interfere, de forma significativa, nas aprendizagens infantis. Isto é, quanto mais esse espaço for desafiador e promover atividades conjuntas, quanto mais permitir que as crianças se descentrem da figura do adulto, mas fortemente se constituirá como parte integrante da ação pedagógica (Horn, 2004, p.20).
Nas salas da Creche B há cartazes com fotos das crianças, figuras, varal com trabalhos realizados por elas, varal do planejamento, etc. Contudo, ao contrário da Creche A, todos esses materiais ficam ao alcance e visão das crianças.
As atividades realizadas em salas são organizadas em “cantinhos”. Estes, por sua vez, proporcionam às crianças uma visão fácil de todo o campo de ação, incluindo a localização do adulto e das demais crianças. O espaço, assim organizado, favorece interações entre crianças, promovendo a identidade pessoal, o desenvolvimento de competências e habilidades e, por conseguinte, a construção da autonomia moral e intelectual. Além disso, os “cantinhos” oferecem oportunidade de decisões para a criança escolher dentre as opções existentes aquilo que prefere, desenvolvendo, assim, a autonomia da criança. “Para conquistar a autonomia é preciso que a criança tenha, desde pequena, a oportunidade de tomar pequenas decisões no dia-a-dia” (Vinha, 2000).
É válido dizer, que o planejamento do dia é feito diariamente com as crianças da Creche B, o qual marca o início do trabalho. Trata-se de um momento em que as crianças, juntamente com a professora, decidem o que será realizado naquele dia e qual a seqüência em que as diferentes atividades acontecerão. “O planejamento do dia tem como finalidade principal possibilitar à criança a oportunidade de refletir antes de agir e também perceber a duração e a ordem de sucessão das atividades que serão realizadas e, consequentemente, estruturar progressivamente a noção de tempo” (Mantovani de Assis, 2002, p.208).
Há também na Creche B, o momento de avaliação, o qual é feito ao final de um período mais longo de trabalho. Nesse momento, as crianças têm a oportunidade de evocar o que fizeram, o que sentiram, como se comportaram durante as atividades. “A evocação das ações, dos acontecimentos, solicitados pela professora na hora da Avaliação, estimula a representação, cria oportunidade para que a criança reflita sobre o que fez, e, consequentemente, julgue seus próprios atos” (Mantovani de Assis, 2002, p.210)”.
É relevante explicitar que percebi que as crianças da Creche B são mais comunicativas, se expressam melhor em relação as da Creche A. Isso pode ser resultado do trabalho de orientação pedagógica das educadoras da instituição B, as quais propiciam situações para a realização de atividades da função semiótica em que são trabalhadas a linguagem, a imagem mental, a imitação, a criatividade. Um exemplo de uma situação é a Hora de Roda inserida na rotina da Creche B. É o momento em que as crianças dispõem em círculo e se sentam-se no chão para conversar, cantar, ouvir estórias, fazer o calendário, combinar regras, tomar decisões.
É importante esclarecer quando afirmo que as educadoras da Creche A, raramente, propõem atividades direcionadas, desafiantes às crianças ou que não interagem com elas no momento do parque, não realizam o Planejamento do Dia com as crianças, ou momentos de avaliação com as mesmas, refiro-me às profissionais observadas. Uma vez que a instituição A tem 43 educadoras, não é possível generalizar o trabalho das mesmas oferecida às crianças. Ainda mais, pelo fato de que um número significativo de educadoras ingressou na época do 2º semestre da realização desta pesquisa. O que pretendo explicitar é que as educadoras podem ter realizado tais momentos de atividades com as crianças, quando eu não estava presente na instituição. Entretanto, se foram poucas as vezes que observei atividades em sala, por exemplo, indica que este tipo de organização de trabalho não está estabelecida na rotina das crianças. No entanto, em alguns discursos das profissionais e coordenadoras pedagógicas dessa instituição - as quais afirmam que tem se exigido das profissionais propor atividades estimulantes diariamente às crianças, fazer registro a respeito dos progressos no desenvolvimento das mesmas, realização de Planejamento do Dia com elas, etc.- justificam que a Creche A tem passado por um processo de mudanças no que diz respeito à proposta pedagógica.

Em relação ao cuidado com a saúde das crianças, é relevante destacar que a Creche A desempenha um ótimo trabalho, no qual é oferecido orientações nutricionais para às mães gestantes, programa de saúde às crianças e aos servidores da Creche. Assim, mensalmente é feita a coleta de dados antropométricos (peso, altura e perímetro cefálico) de todas as crianças e anotado no gráfico de crescimento e desenvolvimento. Este procedimento, por sua vez, norteia a enfermeira na avaliação do quadro de saúde da criança. A saúde faz parte do processo educativo e é uma parte importante do desenvolvimento infantil. O processo educativo e o desenvolvimento infantil acontecem continuamente. Não cabe somente a família ou apenas para a instituição infantil os cuidados com a saúde da criança, porém ambas são as responsáveis. Caso contrário, o resultado educacional não será satisfatório.
A seguir tem-se o exemplo do ambiente de uma sala da Creche B:
As crianças do Maternal III (3 à 4 anos) estavam juntamente com a educadora sentadas em roda. A educadora propôs às crianças:
-Gostaria de ouvir de cada um de vocês o que é legal e o que não é legal fazer na creche e na sala do Pooph (nome da sala do Maternal III). Anotarei as respostas de vocês, neste cartaz, e pendurarei na parede da sala. Então, as crianças disseram o seguinte:


O Que Não É Legal O Que É Legal
Bater Brincar De Boneca
Bater Em Mim Brincar De Carrinho
Gritar A Creche
Ir Ao Banheiro Sem Ordem Tomar Banho
Correr, Etc Etc
Então, a educadora disse:
- Quando alguém bater em você , você diga a ele : “Olha lá (no cartaz) não é legal bater”.
É interessante dizer que todas as crianças dessa sala participaram da atividade. Atividade esta, que ajudam a se expressar, coordenar idéias, emitir opiniões, ouvir diferentes gostos.

“O papel do professor é selecionar temas para a discussão das crianças, orientar o estabelecimento de regras e a tomada de decisões, registrar e expor as regras e colocá-las em prática, com o auxílio das crianças” ( DeVries, 1998, p. 156).
O exemplo mostra como tal atividade proposta pela educadora e realizada com as crianças possibilita que a heteronomia das crianças se reduz, ou seja, que se diminua a regulação moral e intelectual da criança por outros. Pois, segundo DeVries, as crianças, nas salas construtivistas, têm uma sensação de propriedade, de necessidade e responsabilidade em relação às regras da classe, que é resultado de fazerem suas próprias regras. O estabelecimento de regras e a tomada de decisões são atividades nas quais as crianças praticam a auto-regulação e a cooperação.
Assim, quando uma criança batia na outra, a educadora chamava-as e dizia que bater no colega era uma atitude ruim, pois não se bate no amigo. Além disso, a educadora relembrava o que a criança havia dito sobre “o que não é legal fazer”: bater. A criança, por sua vez, dizia que não iria mais bater.
Portanto, o sentimento de propriedade das regras traduz-se em uma disposição para aplicá-las corretamente, podendo, dessa maneira, desenvolver a capacidade de assumir a responsabilidade pela regulação do próprio comportamento.
Além disso, quando as crianças se sentem donas da regra, elas recorrem à mesma quando é necessária ou quando outros não a obedecem. Frequentemente, encontrava-se uma criança da Creche B recorrendo a uma regra estabelecida para relembrar aos colegas que a desobedeciam. Por exemplo, uma criança na Hora do Filme disse a um grupo de colegas, que estava inquieto, para não fazer bagunça pois era o momento do filme.
É importante dizer, que “crianças morais” não significa crianças meramente obedientes, que conhecem as regras morais de outros, agem de forma socialmente positivos, conformam-se as convenções sociais da boa educação, têm um lista de traços de caráter e são religiosas. Ao invés disso, crianças morais, segundo DeVries, são crianças que enfrentam questões interpessoais. Contudo, na Creche B as crianças deparam com tais questões em sua vivência. Deste modo, nos conflitos entre as crianças dessa creche, a educadora despende tempo para ajudá-las a superá-los. É importante dizer, que os conflitos são seriamente considerados como oportunidade para ajudar as crianças a pensarem sobre o ponto de vista de outros e a imaginar como negociar com eles. Assim, quando uma criança, por exemplo, reclamava que o colega havia batido nela, a educadora, geralmente, dizia-lhe: “O que temos que dizer nesta hora?” ;“Se você não fala as pessoas não compreendem”; “ O que você poderia dizer a seu colega?”; “Diga a ele que você não gostou.”
Durante as observações, pôde-se notar que a Creche B é típica de experiências as quais a figura da criança torna-se o centro. Uma vez que, as idéias e participação das crianças são valorizadas, quando, por exemplo, as crianças sugerem o que cantar coletivamente, recordam e encenam a história dos “Três Porquinhos” , participam da escolha de atividades, etc. Tais oportunidades oferecidas às crianças caracterizam-se por usos de estratégias persuasivas, tais como encorajar a geração de idéias, oferecer opções, desenvolver as idéias das crianças ( DeVries, 1998). Deste modo, as interações das profissionais com as crianças são respeitosas porque levam em consideração a perspectiva da criança e apelam para tendências cooperativas.
Tendo como finalidade comparar a intervenção pedagógica de uma educadora da Creche A com uma educadora da Creche B, tem-se a seguir dois fatos ocorridos:

Creche A: Na Hora do Lanche, uma criança estava brincando com a jarra de suco e, quando a educadora viu que quase derrubou , chamou a atenção com um tom de voz alto e disse-lhe que ela ficaria sem andar de motoca (algo que a criança gostaria muito) devido à desobediência. Imediatamente, a criança ficou cabisbaixo e pôs-se a chorar .
Creche B: No momento da refeição, uma criança estava brincando querendo alcançar a jarra de suco. De repente, quando alcançou, a jarra girou e suco foi derrubado na mesa. A educadora, imediatamente, disse-lhe:
- Não se brinca com a jarra de suco. Agora, você irá me ajudar a limpar.

Os dois fatos possibilitam-nos identificar os tipos de sanções utilizados pelas profissionais e, consequentemente, o tipo de ambiente sócio-moral que é cultivado.
Piaget distingue dois tipos de sanções: as sanções expiatórias e as sanções por reciprocidade. As sanções expiatórias ou punitivas são caracterizadas pela coerção e por uma relação arbitrária entre a sanção e o ato sancionado. As sanções por reciprocidade, por outro lado, são caracterizadas por uma coerção mínima e têm uma relação “natural” ou “lógica” com o comportamento desaprovado.
Tendo tais definições, podemos analisar que a educadora da Creche A utilizou de uma sanção expiatória, pois privou a criança de andar de motoca por ter brincado com a jarra de suco. Contudo, não há qualquer relação “lógica” entre ter brincado com a jarra de suco e ser privado de andar de motoca. É devido ao fato dessa relação ser arbitrária que a criança sente a necessidade de mudar o seu comportamento apenas para evitar a punição, pois castigos expiatórios impedem a criança de qualquer reflexão sobre seus atos.Assim, mesmo essa educadora bem intencionada sente que é de sua responsabilidade ser autoritária e oferecer às crianças regras e expectativas para o comportamento e discipliná-las pelo uso de recompensas e punições. “Embora (...) muitos tentam combinar uma atitude autoritária com afeto e atividades centradas na criança, as crianças ainda sabem onde está o poder. Elas sentem os efeitos da coerção” ( DeVries, 1998, p. 35).
Em relação à atitude da profissional da Creche B, nota-se que ela não puniu a criança, porém, pediu-lhe para ajudá-la a reparar, a limpar o que havia feito. Essa atitude da professora implica num relacionamento cooperativo entre adulto e criança. É válido considerar que quando uma pessoa estraga alguma coisa, ela já se sente mal com o ocorrido. Assim, a educadora da Creche B, ao chamar a criança para reparar a conseqüência de sua atitude errônea, dizendo-lhe: “Agora, você me ajudará a limpar”, a criança não se sentirá mais constrangida, mas, talvez, aliviada. Esse tipo de atitude fará com que ela tome mais cuidado da próxima vez.
Portanto, é significativo dizer que, o tipo de sanção utilizada pela profissional da Creche A promove a heteronomia da criança, ou seja, a necessidade de ser regulada, controlada por um adulto. Uma vez, que as atitudes que tendem a ser justificadas em nome da autoridade do adulto são muito pouco eficazes para provocar mudanças estáveis na conduta das crianças . (Delval, 1994). Enquanto, que a sanção por reciprocidade utilizada pela educadora da creche B, desenvolve a autonomia da criança. Haja vista que, “esse modo de sancionar o comportamento infantil garante que a criança tenha a possibilidade de agir voluntariamente, construindo, por si mesma, as suas próprias regras gerais” (Assis, 2002, p.187).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É durante os primeiros anos de vida que se constroem as estruturas básicas do pensamento, iniciam-se os mecanismos de interação com o ambiente e a sociedade, e adquire-se a noção da própria identidade. Por isso, a intervenção e a gestão das instituições responsáveis pela formação no âmbito educacional infantil têm a seu cargo uma tarefa profissional de grande transcendência humana e social (Arribas, 2004, p.15).
Ao medir a importância que há numa orientação pedagógica qualificativa na primeira infância para o desenvolvimento pleno do indivíduo, o presente estudo teve como principal objetivo conhecer as propostas pedagógicas de duas creches da cidade de Campinas e analisá-las, a partir dos princípios pedagógicos do construtivismo piagetiano, com o intuito de compará-las para saber se tais instituições realmente propiciam o desenvolvimento infantil ou têm apenas uma finalidade assistencial.
Para alcançar tal objetivo, utilizamos o recurso da observação direta e da entrevista, os quais permitiram coletar informações a respeito dos objetivos das instituições, da prática pedagógica que utilizam e da formação profissional dos sujeitos que atuam diretamente com as crianças em ambas as creches.
Na interpretação dos resultados da entrevista, concluímos que as profissionais da Creche A demonstraram um desempenho melhor no que diz respeito aos conhecimentos teóricos da área de Educação Infantil. Entretanto, a prática pedagógica, verificada por meio da observação, indicou o inverso: as profissionais da Creche B mostraram desenvolver um trabalho educativo visando ao desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos, enquanto as da Creche A apresentaram um trabalho que representa uma transição entre a orientação assistencialista e a pedagógica. Portanto, a análise das observações ofereceu-nos a oportunidade de constatar a existência de diferentes concepções de proposta pedagógica.
Em síntese, apesar das profissionais da Creche A terem se sobressaído melhor na entrevista, constata-se um desencontro entre os fundamentos teóricos apresentados nas respostas e as orientações pedagógicas das profissionais observadas. Enquanto, que as profissionais da Creche B evidenciaram um atendimento que propicia o desenvolvimento global das crianças.
É válido dizer, que as educadoras da Creche B participaram de um Projeto de Formação Continuada para Profissionais de Instituições de Educação Infantil, porém as da Creche A não possuem formação específica para trabalhar em creche.
Portanto, os resultados da pesquisa comprovaram que a qualidade do atendimento de ambas instituições está diretamente relacionada à formação das profissionais que atuam junto às crianças.
Entretanto, muitos e importantes passos a instituição A tem dado na direção de atendimento de excelência, o qual propicie às crianças o desenvolvimento pleno de suas capacidades.
Enfim, espera-se que, críticas e propostas apresentadas nesta pesquisa, tenham a meta de ser objeto de análise e geradoras de novas discussões
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